Assessora de Marielle declara:”Ligação dos Bolsonaro com as milícias é aterrorizante”

(TE) Sociedade – Quase um ano após o acontecimento da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL), sua (ex) assessora, Fernanda Chaves, também presente no interior do veículo no momento do ataque, concedeu uma entrevista para o jornal português Diário de Notícias, na qual fornece alguns detalhes sobre a fatídica noite, o que pensa a respeito da investigação e qual o motivo de ter omitido seu paradeiro até o presente momento.

A execução e a assessora de Marielle

No fatídico dia 14 de março de 2018, a vereadora carioca Marielle Franco, foi executada com um saraivada de tiros, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O ataque também acabou matando seu motorista Anderson Gomes. No carro, o que nem todos se lembram, também havia uma terceira pessoa, a assessora de Marielle, Fernanda Chaves. Fernanda conseguiu sobreviver ao ataque sem sofrer ferimentos.

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Faltando poucos dias para completar 1 ano do ocorrido, a assessora de Marielle encaminhou ao jornal Diário de Notícias uma série de depoimentos via áudio, sem contudo revelar, por razões óbvias, qual a sua localização e durante o horário de trabalho, função essa a qual ela prefere não revelar por razões de segurança.

No que concerne as investigações, a jornalista assessora de Marielle permanece tomando todo o cuidado possível e imaginável. “Não devo dar respostas, tenho é o direito de recebê-las”. Entretanto, ela confessa estar bastante assustada pelo fato da polícia suspeitar de uma milícia chamada Escritório do Crime, cujos chefes possuem uma ligação estreita com a família Bolsonaro.

Recordações dos detalhes da noite do crime

Fernanda, que era assessora de Marielle, inicia sua fala: “Tínhamos saído por volta das 21.00 de um evento chamado Jovens Negras Movendo as Estruturas, com jovens negras ligadas ao cinema, à comunicação, à produção. Foi um encontro muito positivo, ficou lotado, e saímos muito satisfeitas. Muito satisfeitas, portanto, entrámos no carro. A Marielle foi para trás, coisa que ela nunca fazia, gostava de ir à frente, porque ela sempre foi muito do tipo copiloto, de reclamar com o trânsito e tal. Nesse dia, ela ainda chegou a abrir a porta da frente, mas atirou as bolsas para lá e brincou com o Anderson, dizendo que ele ia de motorista e ela de madame. Ele então puxou o banco para a frente para lhe dar mais conforto.”

Ela continua: “Estávamos também a falar sobre um artigo dela no Jornal do Brasil, que seria enviado nesse dia e que eu tinha revisto antes de chegar ao evento. Ela perguntou o que eu tinha achado, eu disse que mudara o título e outros detalhes.

Vínhamos falando ainda com as famílias por WhatsApp, ela hesitava se passava numa padaria para levar um pãozinho para casa porque a Mónica [companheira de Marielle] estava meio febril e eu falava com o meu marido sobre a minha filha, que também estava febril. E, entretanto, ela ainda comentava sobre o jogo do Flamengo que tinha acabado de começar.

Portanto, estávamos as duas com as cabeças baixas a olhar para os celulares quando, de repente, oiço um “eita”, algo do tipo, da Marielle, mas não em forma de susto, ainda acredito que a interjeição se referisse a alguma coisa que ela estivesse a ver no celular e não com algo em que ela tenha reparado do lado de fora.

Foi nesse momento que chegou a rajada, os vidros estouraram, eu não vi nada, nada, nada, porque os vidros do Anderson eram de película muito escura, a Marielle estava do meu lado ombro a ombro, ela era grande, de cabelo volumoso, tapou-me a visão.

O Anderson deu um “ai”, um gemido baixo, e eu percebi que as mãos dele soltaram o volante. Puxei então o travão de mão. Entretanto, ainda abaixada, com o rosto entre os bancos da frente e as pernas da Marielle, só pensava que tinha havido um tiroteio, porque naquele lugar, no Carnaval de semanas antes, isso havia acontecido. Por isso, saí rastejando para ver se via alguma movimentação por baixo da porta do carro”.

A assessora de Marielle continua ainda: “Como estava tudo muito silencioso, comecei a chamar pessoas na rua, que se aproximaram, sem entender também o que tinha acontecido. Não encontrava o meu celular, perdido no carro, e pedi para uma senhora chamar uma ambulância.

Disse, “por favor, avise que é uma vereadora!”. Mas ao dizer isso as pessoas começaram a tirar fotografias, a filmar, a gerar caos. A polícia chegou então ao local para isolar a área, já eu tinha visto o meu celular a piscar no chão do carro e por isso conseguido ligar para o meu marido e para um colega da coordenação do mandato.

Para mim, àquela hora, a Marielle estava apenas desmaiada. É que eu sentia-me tão inteira, tão bem, apesar do sangue e dos estilhaços na cara, que não concebia que ela e o Anderson pudessem estar algo além de desmaiados. Nessa hora, o agente via rádio informou à minha frente “são dois mortos por tiro e uma sobrevivente”.

Foi dessa forma que eu soube que a Marielle estava morta. Esse foi um dos piores momentos de todo este processo. Antes eu estava muito nervosa, trémula, abalada mas esforçando-me para ficar racional. Quando ouvi aquilo ali foi difícil não me descontrolar porque não tinha ninguém com quem dividir.

E estava preocupada porque sempre trabalhei com a realidade da polícia do Rio e de repente via-me com vários agentes num lugar isolado, escuro. Lembro-me de que os agentes não tinham identificação no uniforme…”

O paradeiro da assessora de Marielle

A (ex) assessora de Marielle conta que alguns amigos seus, que atuam como advogados na área de Direitos Humanos e também algumas pessoas da Polícia aconselharam-na a sair do Rio de Janeiro.

Ela então revela que Marcelo Freixo falou da chance de ir para Madrid, sendo acolhida por um programa de proteção da Anistia Internacional. Ela acabou optando por essa opção, na qual ela residiria em Madrid por 3 meses, até conseguir o visto.

Entre os meses de junho e julho, ela retornou ao Brasil após ter recorrido a um programa de proteção a defensores de direitos humanos.

Quanto a sua opinião a respeito da investigação, ela afirma:

“Durante esse tempo todo eu tenho evitado divagar sobre as possibilidades da autoria do assassinato. É uma posição pensada porque eu sinto que não tenho de dar respostas, tenho é de recebê-las: o estado brasileiro, a polícia é que me está a dever respostas a mim, a todos nós, ao mundo. No entanto, não dá para negar, pelo perfil do crime, pela arma utilizada, que há envolvimento de milícias. E não é novidade que a família do presidente Jair Bolsonaro tem ligação com as milícias – ele já as exaltou e o filho dele homenageou polícias envolvidos em milícias”.

Ela continua: “As milícias são grupos armados compostos por polícias, bombeiros, agentes penitenciários – uma espécie de braço armado do Estado atuando no crime, portanto. No fundo, são máfias, porque dominam territórios, cobram às populações por serviços de gás, televisão por cabo ou aluguer de forma criminosa. E agem sobre decisões políticas. As ligações de Bolsonaro e do filho, através de muitos membros dos seus gabinetes, a milícias e, mais precisamente, ao grupo miliciano acusado de executar a Marielle, são aterrorizantes. E têm de ser investigadas e cobradas. Mas a minha avaliação sobre o assunto acaba aí. Quem tem de falar são as autoridades”.

Ela diz que não pensa que foi por uma questão de território, conforme foi divulgado por alguns veículos da mídia e que tampouco acha que o alvo na verdade era Freixo. Segundo ela acredita, Marielle foi morta por motivação política.

Com informações do Diário de Notícias (Portugal).